REFLEXÕES SOBRE O USO DO MAPA CONCEITUAL NA DISCIPLINA DE HISTÓRIA
Maria
Lima[1]
“O novo e o significativo uso da
palavra, a sua utilização como um meio para a formação de conceitos, é a causa
psicológica imediata da transformação radical por que passa o processo
intelectual no limiar da adolescência.
(...)
Aprender a direcionar os próprios processos mentais com a ajuda de palavras ou
signos é uma parte integrante do processo na formação de conceitos” (Vygotsky, 1993:51)
Freqüentemente, a avaliação no espaço
escolar tem sido encarada como um momento burocrático e sem uma relação mais
profunda com a prática pedagógica da professora ou do professor, ou com o
processo de aprendizagem dos aprendizes. André e Passos (1997:112), ao
apresentarem as considerações de alguns estudos sobre esta temática, citam o
estudo de Luckesi (1995) o qual afirma que a avaliação “a) tem assumido uma função essencialmente classificatória, servindo
apenas para definir os alunos que devem ser aprovados ou reprovados; b) tem
confirmado a profecia auto-realizadora dos professores, ou seja, tem sido usada
para reforçar as previsões feitas sobre quem são os bons e os maus alunos; c)
tem cumprido um papel disciplinador e autoritário ficando todo o poder nas mãos
do professor, que, utilizando critérios arbitrários e instrumentos falhos,
define o destino escolar do aluno.”
Estas mesmas autoras apontam também que
a avaliação escolar baseia-se quase que exclusivamente no resultado das provas;
que o erro é pouco explorado no sentido construtivo; ou mesmo que os
instrumentos de avaliação (primordialmente a prova) possuem uma linguagem
acadêmica, formal, muito diferenciada dos exercícios cotidianos.
Este e vários outros estudos têm
delineado o papel autoritário e pouco comprometido com a aprendizagem que a
avaliação assumiu em nossa sociedade.
Em contraposição a este quadro, poderíamos falar de um modelo de
avaliação de tendência mais democrática, que enxerga o aluno como sujeito de
sua aprendizagem, ressaltando-se o seu papel informativo para o corpo docente.
Para muitos teóricos este tipo de avaliação é chamado de formativa.
Para Miras e
Solé (1996:382), a avaliação formativa é aquela feita no decorrer do processo
(contínua) e indica ao aluno sua situação relativa às diferentes etapas pelas
quais deve passar para efetivar uma determinada aprendizagem. A mesma também
indica ao professor como se desenvolve o processo de ensino e aprendizagem,
ajustando-se bem à idéia de que o ensino é um processo de tomada de decisões.
Pode-se ainda
compartilhar com Hadji (2001a) a idéia de que a avaliação formativa é,
primordialmente, aquela que informa o estudante sobre o seu processo de
aprendizagem, permitindo-lhe (e também à professora e ao professor), a
“remediação” dos problemas apresentados ainda durante este mesmo processo. Ela
nada mais é do que “uma avaliação que quer se colocar a serviço da formação,
da aprendizagem, desde o ensino fundamental até a universidade”.
(Hadji,2001a:09). Neste sentido, para este autor, implementar uma avaliação
efetivamente formativa deve ser mais uma questão de não perder de vista os
objetivos das atividades (o seu sentido) do que uma questão técnica.
A medição,
neste caso, passaria a um segundo plano[2].
Primordialmente, seria considerado o seu caráter de “instrumento de coleta de
dados para análise”. Uma vez analisados, estes dados delineariam um quadro da
situação do aprendiz num determinado momento de sua escolaridade,
possibilitando a tomada de decisões didáticas mais pertinentes com a sua
realidade.
É dentro
destas referências teóricas e de uma preocupação especial com a temática da
avaliação escolar que apresento o relato de uma experiência desenvolvida com
estudantes de 14 anos, na Escola da Vila em São Paulo. Trata-se da utilização
do mapa conceitual enquanto instrumento de avaliação que me forneceu
importantes informações sobre o processo de aprendizagem de meus alunos e
alunas que serviram para a reflexão sobre a condução do ensino.
Antes de
passar ao relato, é preciso delinear o que vem a ser o mapa conceitual e qual a
teoria que o fundamenta para que fique evidenciada também a concepção que está
por trás da situação ora relatada.
Os mapas são
diagramas conceituais que enfatizam as relações (hierárquicas) entre conceitos.
Foram criados na década de 70 por Joseph D. Novak (físico norte-americano) a
partir da teoria da aprendizagem de David Ausubel. Novak percebeu em
entrevistas clínicas (de base piagetiana) que, quando os alunos entravam nos
cursos de Física, eles já traziam conceitos/representações. Para organizar
estes conceitos, surgiu o mapa conceitual.
Os criadores do mapa conceitual partem da idéia de que, na maioria das
vezes, uma pessoa ao iniciar um processo de aprendizagem já traz informações
sobre os conteúdos que serão abordados. A desconsideração destes conhecimentos,
muitas vezes, impede que a professora (e o professor) perceba porque
determinados alunos não conseguem aprender um certo conteúdo apesar de seus
esforços. Além disso, desprezar este conhecimento prévio faz com que, ao não
ativá-lo, o aluno produza assimilações deformantes.
Apesar de Ausubel utilizar a palavra conceito tanto para o
conhecimento prévio do aluno, quanto para o conhecimento resultante do trabalho
com o professor, cabe aqui destacar que o primeiro não poderia ser definido
como conceito propriamente dito, mas apenas como noção ou representação,
“metáfora do conceito”[3].
É com esta preocupação que Sergei Moscovici utiliza a expressão representações
sociais para designar o conhecimento prévio do aluno[4]
e Vygotsky a expressão pseudoconceito.
Ao utilizar o mapa conceitual no início de um trabalho (sem ter
fornecido informações sistematizadas), estamos levando em consideração o que
não só Ausubel considera, mas também Vygotsky: o aluno possui uma concepção
anterior, formada pela sua vivência, a qual entrará em contato com o
conhecimento que se pretende que ele “aprenda”. Essa importância de se mapear
os conhecimentos prévios já foi apresentada por alguns autores[5].
Dentre eles, Carretero (1997:33) apresenta quatro características dos
conhecimentos prévios levantadas a partir de uma série de pesquisas realizadas
na área de Ciências Experimentais, quais sejam:
“a) são construções pessoais.
Apesar de muitas delas serem comuns a um grande número de alunos, essas idéias
fazem parte da rede de conhecimento que cada indivíduo possui e, por isso,
possuem um significado pessoal.
b) Essa significação parece ter
uma clara influência na grande resistência mostrada pelos alunos no momento de
modificar essas concepções.
c) Geralmente, são concepções
bastante afastadas do conceito ou da interpretação disciplinar correta.
d) Costuma ser
implícita. Muitas delas são adquiridas a partir do conhecimento cotidiano e o
indivíduo não utiliza explicitamente a sua formulação.”
O mapa conceitual pode ser um instrumento eficaz para se levantar os
conhecimentos prévios[6].
Além disso, ele pode (e deve) ser um ponto articulador no desenrolar do projeto
e um instrumento de avaliação do processo de aprendizagem ao final do projeto.
Ou seja, ele pode ser utilizado no processo de avaliação formativa, tanto no
sentido aplicado por Miras e Solé (1996), quanto por Hadji (2001a),
Os mapas por serem considerados representações externas dos esquemas
cognitivos, trazem a possibilidade de se visualizar (parcialmente, é claro) as
construções conceituais que o aluno está empreendendo durante o processo de
ensino/aprendizagem.
Eles podem ser usados pelos alunos para integrar, reconciliar e
diferenciar conceitos. Para os professores, como instrumento de avaliação dos
significados que o aluno está atribuindo aos conceitos que estão sendo
trabalhados.
Ele não pode ser entendido como uma
mera técnica sendo um instrumento ou meio subordinado aos objetivos
pedagógico-didáticos que se tem. Por isso, ele vai depender tanto do juízo de
valor da educadora ou do educador que o utiliza, quanto da complexidade que
cerca o processo educativo.
O mapa, segundo Novak, é uma projeção
prática da teoria da aprendizagem de Ausubel. Por trás dos mapas, está um
modelo de educação:
a) centrado no aluno e não no professor;
b) que atenda ao desenvolvimento das
habilidades e não se contente apenas com a repetição memorística da informação;
c) que pretenda o desenvolvimento harmônico
de todas as dimensões da pessoa, não somente as intelectuais.
(Ontoria et allii, 1995:32)
Os mapas proporcionam um resumo esquemático do que foi aprendido e
organizado de maneira hierárquica. Além disso, são instrumentos que
possibilitam situações de negociação de significados entre as pessoas que os
elaboram[7].
Os elementos fundamentais dos mapas são: o conceito, a proposição e o
conectivo. Suas características próprias são: a) seleção: eles são sínteses que
contém o mais significativo de uma mensagem, tema ou texto; b) impacto visual:
“um bom mapa conceitual é conciso e
mostra as relações entre as idéias principais de um modo simples e vistoso,
aproveitando a notável capacidade humana para a representação visual.”
(Novak citado por Ontoria et allii, 1995:39)
A aplicação do mapa tem como objetivo trabalhar
quatro aspectos básicos:
1. conexão com as idéias prévias dos alunos
2. inclusão (que conceitos são mais relevantes?) (qual é o mais
inclusivo?)
3. diferenciação progressiva (processo de ampliação dos significados
atribuídos aos conceitos)
4. reconciliação integradora/integrativa (processo de ampliação dos
significados dos conceitos relacionados ao conceito que se aprendeu
significativamente – efeito em cadeia)
Para Ausubel,
teórico cognitivista, uma aprendizagem é significativa quando há uma ancoragem,
na estrutura cognitiva do aluno, de uma nova informação. “Esses aspectos relevantes da estrutura cognitiva que servem de
ancoradouro para a nova informação são chamados ‘subsunçores’. (...) Na
aprendizagem significativa há uma interação entre o novo conhecimento e o já
existente, na qual ambos se modificam. À medida que o conhecimento prévio serve
de base para a atribuição de significados à nova informação, ele também se
modifica, i.e., os subsunçores vão adquirindo novos significados, se tornando
mais diferenciados, mais estáveis.” (Moreira, 2000:05)
No processo de aprendizagem significativa, os
conceitos modificam-se (diferenciação progressiva). Atribui-se novas relações
entre subsunçores que, por sua vez, atribui novos significados às relações.
Esse efeito em cadeia, que transforma o significado de diversos conceitos é
chamado de reconciliação integrativa.
Na aprendizagem mecânica, diferentemente da
significativa, uma pessoa não atribui significados à nova informação,
armazenando-a de forma arbitrária. Desta forma, a transformação do mapa em
instrumento didático tem como objetivo, não só possibilitar ao professor uma
avaliação mais fiel do que o aluno pensa, mas também promover o maior número de
aprendizagens significativas dos conteúdos trabalhados em sala de aula.
Abaixo, um quadro comparativo:
Aprendizagem significativa |
Aprendizagem mecânica |
Incorporação substantiva, não
arbitrária, não literal de novo conhecimento à estrutura cognitiva |
Incorporação não substantiva,
arbitrária, literal de novo conhecimento à estrutura cognitiva |
Esforço deliberado para
relacionar o novo conhecimento com conceitos de ordem superior mais
inclusivos na estrutura cognitiva |
Nenhum esforço para integrar o
novo conhecimento com conceitos existentes na estrutura cognitiva |
Compromisso afetivo de
relacionar novos conhecimentos com conhecimentos prévios |
Nenhum compromisso afetivo de
relacionar novos conhecimentos com conhecimentos prévios |
Representação esquemática
do processo de assimilação segundo Ausubel a à A à A’
a’ Nova informação potencialmente *conceito subsunçor Produto
Interacional significativa relaciona-se e é na estrutura
cognitiva assimilado pelo*
Pode-se perceber que, para o aluno
atingir uma certa compreensão científica do conceito, ele deverá interagir com
um bom número de informações, sistematizando-as, produzindo textos utilizando
estas informações, apresentando seminários, etc[8].
Ou seja, o mapa conceitual coloca-se mais como um instrumento de “amarração” de
uma série de informações trabalhadas, tornando possível a visualização do
processo de transformação conceitual pelo qual, provavelmente, a(o) aprendiz
estará passando e o qual a professora (ou o professor) estará procurando
garantir. O mapa conceitual também pode servir à professora (ou ao professor)
como organizador dos conceitos durante a elaboração do planejamento do curso. A
visualização das relações entre os conceitos pode tornar-se um instrumento de
apoio bastante interessante no planejamento das atividades.
É
importante ressaltar também que, no caso da Escola da Vila, a aprendizagem da
técnica do mapa conceitual é colocada como um importante acordo didático. Ou
seja, é fundamental que o corpo docente garanta que, ao final do Ensino
Fundamental, o estudante tenha se apropriado desta técnica (entre outras),
utilizando-a de forma autônoma para subsidiar suas aprendizagens (ou seja,
enquanto procedimento)[9].
A experiência ora relatada foi
desenvolvida no 1º trimestre de 2001 com estudantes de 8ª
série do Ensino Fundamental (14 anos) da Escola da Vila, instituição
particular, radicada na cidade de São Paulo.
É importante ressaltar que, neste relato, não se pretende apresentar
apenas os “sucessos”, mas os erros, as incertezas e os problemas de condução
que foram encontrados pelo caminho, a fim de que a contribuição ora pretendida
seja mais significativa do ponto de vista da reflexão sobre a prática cotidiana
da sala de aula, buscando assim constituir o que Donald A. Schön define como reflexão
sobre a reflexão na ação[10]
(Alarcão, s/d: 16-17).
Para que se entenda melhor o contexto
dentro do qual a experiência foi desenvolvida, torna-se necessário o
fornecimento de algumas informações referenciais. No curso de História da 8ª
série, são abordados conteúdos relativos à História do Brasil Colonial (início
do século XIX) e Imperial[11].
Como eixo condutor, elegeu-se os conceitos de Estado Nacional e Nação[12], por entendê-los como potencializadores
tanto da concretização do projeto pedagógico-didático da escola, quanto da
discussão de uma série de fatos e conceitos históricos fundamentais do século
XIX relacionados à formação política brasileira.
A estruturação do curso a partir de um eixo conceitual vem na esteira
de uma série de experiências e reflexões desenvolvidas no Brasil, na Argentina
e na Espanha. Procurando-se associar, durante o ensino, a reflexão ao processo
de construção de conhecimento, e buscando instrumentalizar os alunos com
algumas ferramentas conceituais fundamentais para a análise da sociedade,
alguns profissionais brasileiros vêm desenvolvendo experiências onde o fazer do
historiador é reproduzido[13]
na escola (Cordeiro, 2000). Para Schmidt (1999:150) o ensino-aprendizagem de
História deve garantir a construção de um conjunto de ferramentas “que possam ajudar os alunos a fazerem uma
análise mais profunda da realidade social”. Neste sentido, exercícios de
análise de documentos históricos do mais variados tipos têm sido feitos em sala
de aula, projetos de pesquisa estruturados e textos de análise produzidos por
alunos e alunas. Na Escola da Vila, colocando a História do Brasil em destaque,
optou-se por seguir o caminho da estruturação de projetos didáticos[14],
privilegiando-se a formação de um estudante que, ao entender melhor como o
historiador constrói a narrativa historiográfica, compreenda também a sua
própria condição de sujeito e agente históricos (produtor de um certo tipo de
conhecimento e agente de transformação social).
Isso é
perfeitamente possível se consideramos que os conceitos podem ser tomados como possibilidades cognitivas (Moniot) à
medida que as pessoas organizam as informações e constroem os seus conceitos de
acordo com a sua inserção social e cultural. Essas possibilidades cognitivas
permitem que se construa o poder
conceitual – capacidade que os indivíduos têm de identificar, organizar e
categorizar as informações que o rodeiam (Schmidt,1999:150).
Foi
dentro deste referencial teórico, pedagógico-didático que a experiência que
passo a relatar se desenvolveu.
Antes
de iniciar o trabalho em sala, foi feito o planejamento das seqüências
didáticas. Para melhor estruturar este planejamento em termos dos conceitos a
serem trabalhados, elaborei o mapa conceitual que segue.
É
importante ressaltar que o mapa apresentado foi feito apenas para direcionar o planejamento da professora. O mesmo não
foi mostrado à aluna (ao aluno) como modelo, pois, se partimos da idéia de que
cada sujeito estabelece as relações conceituais que lhe são possíveis num
determinado momento de sua existência, não há como expor um modelo de mapa
à(ao) aprendiz. O exercício de elaboração do mapa pela professora (ou
professor) foi feito pensando-se em: a) uma auto-avaliação em relação ao
domínio do conceito; b) uma seleção dos conceitos que pretende priorizar no
trabalho com as alunas e alunos; c) uma seleção dos conteúdos factuais que irão
potencializar o trabalho de construção do conceito pelas(os) aprendizes; d) a
existência de um instrumento norteador na análise dos mapas das(os) estudantes
(ao analisar os mapas das(os) alunas(os), pode-se perceber melhor que conceitos
é preciso trabalhar mais com eles).
Uma
vez estruturado o planejamento, parti para uma seqüência de atividades de
avaliação diagnóstica. Numa perspectiva sócio-construtivista do ensino e da
aprendizagem, a avaliação dos conhecimentos prévios dos alunos e alunas
torna-se fundamental para a tomada de uma série de decisões didáticas[15].
Essa avaliação pode ser feita de diversas maneiras, utilizando-se variados
instrumentos. No caso ora apresentado utilizou-se o mapa conceitual para
registro e posterior análise.
A
primeira seqüência didática[16]
do projeto foi iniciada por uma atividade de avaliação diagnóstica[17].
Nela, os estudantes deveriam construir dois mapas conceituais: um para o
conceito de Estado nacional, e outro
para Nação[18].
As instruções foram lidas e a classe, sob coordenação da professora, debateu o
que seria um conceito, levantando e comparando exemplos.
Depois
desta primeira discussão, em dupla, os estudantes iniciaram a confecção do mapa
pela listagem de dez conceitos que, na sua opinião, melhor definiam o conceito
principal em questão. É importante ressaltar que não foi dada nenhuma aula
expositiva, nem lido algum texto antes desta atividade, pois a intenção era
avaliar os conhecimentos que os alunos já traziam, sua visão de mundo, suas
concepções e suas hipóteses.
Durante
a confecção dos mapas, a professora circulava pela sala atendendo às dúvidas,
observando e fazendo anotações, que, posteriormente, foram analisadas.
A
confecção do mapa do conceito de Nação
foi bastante tranqüila. Os conceitos que mais apareceram foram: “população”,
“raça”, “comunidade”, “povo”, “costume”, “cultura” e “governo”. Ou seja, nas três turmas analisadas
havia uma concepção de que o conceito de Nação
relacionava-se, primordialmente, à comunhão de valores, advindos de
heranças culturais, excluindo-se aí a idéia de fronteiras ou delimitação
espacial (elementos atribuídos, em alguns poucos mapas, ao conceito de Estado
Nacional). Isto era bastante interessante e era proveniente, sem dúvida, do
curso de Geografia da 7ª série, onde são estudados aspectos
relacionados ao conceito de Fronteira. O curioso é que entrava um componente da
política expressado pelo conceito de “governo”, colocado na grande maioria dos
mapas. Este me pareceu ser o caminho através do qual eu poderia promover a
construção do conceito de Estado Nacional e também a ponte que
possibilitaria a compreensão do conceito de Nação enquanto projeto político.
Uma
dificuldade começou a aparecer quando os alunos foram elaborar o mapa com o
conceito de Estado Nacional. As falas
foram uníssonas: “Não sei nada!”, “não consigo fazer”, “não encontro conceitos”.[19]
Ao perceber que a dificuldade era geral, encaminhei da seguinte forma: disse a
eles que, para elaborar a lista, pensassem os conceitos em separado – alguns
para Estado, outros para Nacional –, mas que, na hora de montar o
mapa, que fizessem isto com as palavras “Estado
Nacional” juntas, ocupando o mesmo quadrado. Isto parece ter aliviado as
tensões na hora e todas as duplas conseguiram elaborar seus mapas.
Durante
a elaboração dos mapas fiz uma série de anotações na planilha de observação que
havia preparado. Nesta planilha anotei dados sobre: os conceitos que apareceram,
a integração entre os membros da dupla; elementos das concepções da dupla;
questões que fizeram; principais relações estabelecidas e
observações/encaminhamentos. Apresento dois mapas do conceito de Estado Nacional elaborados por alunas a partir dos quais exemplificarei a análise feita das produções:
Mapa no. 1: Nina e
Ana B. 8ª B – Fev/2001
Mapa no. 2: Maria Eugênia e Nira 8ª C –
Fev/2001
Tanto no mapa número 1, quanto no número dois, os conceitos que
relacionam Estado Nacional a uma
temática da política estão presentes, indicando que as alunas em questão já têm
construídos tanto o conceito de política, quanto o de Estado[20].
Os principais problemas observados referem-se à construção do mapa em si. As
alunas do mapa número 1 conseguiram colocar conectivos em todas as relações,
demonstrando um esforço de reflexão sobre todas as relações conceituais que
estabeleceram. No mapa número 2, parece que as alunas tiveram dificuldades em
pensar as relações, pois quase não há conectivos. Outro elemento que aponta a
dificuldade das alunas é a natureza dos conectivos que utilizaram. “Para ter” e
“necessita de” são dois conectivos que estabelecem uma relação causal e não de
definição. Nesse sentido, seu mapa assemelha-se mais a um esquema[21].
No esquema, normalmente organiza-se informações que se consegue retirar de um
texto que está lendo ou o se que sabe sobre algum assunto. Este instrumento
ajuda na hora de recuperar as informações principais que precisam ser guardadas
para futuras atividades. No mapa conceitual normalmente só são colocados conceitos. Haverá poucos (ou quase
nenhum) exemplos, nomes de pessoas, datas, etc. O que interessa mais são as
características, a natureza do conceito em questão. No mapa número 1 esta
confusão também aparece. Elas utilizam “localiza-se”, “limita”, “faz”, “forma”,
deixando a relação “governo/líder” indefinida ao colocar um conceito (“poder”)
como conectivo.
A intervenção da professora deu-se de
forma a fazê-las refletir sobre a natureza destes conectivos: o que indicam?
Quando defino algo ou alguém, que expressões utilizo? “Leva a”, “localiza-se”,
etc. referem-se a que tipo de situação?
Outro elemento interessante que podemos
observar é que, para as alunas do mapa número 1, há uma melhor clareza do que é
um conceito, pois há conectivos que indicam isto: “é”, “é um”, “tem”. O
trabalho com estas alunas foi mais no sentido de diversificarem estes
conectivos, utilizando termos mais significativos ou elaborando frases melhor
estruturadas, saindo do simples “é” e passando talvez para “é definido por”;
“tem um caráter”, “simboliza”.
Os resultados da intervenção podem ser
observados no 2o. mapa, confeccionado algumas semanas depois, após a
leitura de um texto e aula expositiva.
Depois do 1o mapa, o replanejamento
Algumas
das dificuldades apresentadas por alunos e alunas durante a atividade foram
fundamentais para tomar algumas decisões didáticas na continuidade do trabalho.
Originalmente,
eu havia planejado a seguinte seqüência: entregar um formulário onde eles registrariam
as suposições que tinham sobre quando havia se dado a formação do Estado
Nacional Brasileiro; em seguida, introduzir o documento histórico[22],
iniciar a análise do período inicial do século XIX, apresentar as
interpretações historiográficas que consideram este momento como fundamental
para o processo de Independência e o período constituinte da estrutura política
e econômica do Estado Nacional Brasileiro[23].
Para fechar esta unidade didática, foi pensada a reelaboração do primeiro mapa
conceitual, a fim de que eu averiguasse como eles estavam mobilizando a
discussão em termos conceituais e, também, para propiciar momentos em que eles
pensassem sobre o seu próprio processo de aprendizagem.
Com a
dificuldade detectada na elaboração do primeiro mapa, resolvi então introduzir
uma atividade depois do levantamento de suposições: eles leram um texto que
continha a história do surgimento do Estado Nacional, apontando os elementos
que o constituíram. A este texto, acrescentei uma aula expositiva motivada
pelas dúvidas que o mesmo gerara. Depois disto, convidei-os a reelaborar o
primeiro mapa, produzindo já o segundo.
O que
se pôde observar então foi uma mudança de atitude dos alunos[24].
Mostraram-se mais seguros para falar do conceito de Estado Nacional, claro que
não em sua plenitude, mas indicando já a incorporação de alguns elementos que
poderiam ser essenciais a sua compreensão. Puderam iniciar um processo de
ancorarem com maior clareza dos conceitos que haviam ativado na primeira
atividade. Esta situação modificou a minha primeira interpretação sobre as
possibilidades de ter escolhido um conceito de complexidade muito alta para a
série. Surgiram agora novos problemas que possibilitaram que eu enxergasse
outras questões que estavam por trás do uso do mapa conceitual.
Abaixo,
reproduzo o 2º mapa elaborado pelas duplas citadas anteriormente.
2o.
mapa conceitual - Nina e Ana B. 8ª B – Mar/2001
2o. mapa conceitual: Maria
Eugênia e Nira 8ª C – Mar/2001
Analisando estes mapas, podemos
perceber que as alunas conseguiram aprender um pouco mais sobre o que vem a ser
o mapa conceitual, ampliando assim a sua capacidade de operar conceitos. Neste
processo de aprendizagem, podemos detectar as dificuldades que ainda persistem.
No mapa da dupla Ana B. e Nina (8a. b), percebemos que houve
dificuldade em hierarquizar os conceitos. Na concepção delas, tudo se liga
diretamente ao conceito de “Estado Nacional”. Ao contrário do 1o.
mapa que elas confeccionaram, neste colocaram um número maior de conectivos de
característica causal. Além disso, houve a mudança dos conceitos que compõem o
mapa. Estes elementos associados podem indicar à professora que: a) as
informações introduzidas pelo texto e pelas aulas expositivas promoveram um
desequilíbrio na construção conceitual inicial das duas alunas; b) elas estão
buscando recuperar o equilíbrio cognitivo ao colocar todos os conceitos ligados
a “Estado Nacional” Esta estratégia demonstra que elas estão tentando
resolver algo que não estão conseguindo fazer: hierarquizar os conceitos.
No mapa da dupla Maria Eugênia e Nira
percebemos que o conceito de mapa conceitual ainda não foi assimilado. As
alunas estruturaram-no como um esquema, privilegiando conectivos de relação
causal, típicos nos esquemas e organogramas. Nestas alunas o processo de
compreensão do que vem a ser um conceito e como articulá-lo a outros
provavelmente levará mais tempo do que o da outra dupla analisada. No entanto,
pode-se perceber que ele ocorrerá (dependendo da intervenção da professora),
pois já se observa a presença de conectivos que expressam relações de
caracterização como “tem“ e “são”.
Potencialidades didáticas do mapa
A análise acima apresentada demonstra a
série de possibilidades que o mapa conceitual oferece tanto à professora e ao
professor, quanto às(aos) aprendizes. Ou seja, este instrumento é extremamente
potencial tanto para o ensino, quanto para a aprendizagem.
Como exemplo destas potencialidades,
abaixo, transcrevo um dos diálogos travados entre professora e estudantes que
foram gravados durante a reelaboração do primeiro mapa e a análise posterior
que o mesmo propiciou:
Renato e Guilherme (8ª série C)
-
(Guilherme) Eu queria saber se o Estado
Nacional tem só um governante...
-
(Profa.) Se o Estado Nacional tem só um
governante? O que vocês acham? Dêem uma olhada no texto. Verifiquem... Como
será que se chama... O texto dá um nome para o governante...
-
(Guilherme) chefe de Estado.
-
(Profa.) Isto, o chefe de Estado! Vocês
viram que “Estado” está escrito com letra maiúscula, certo?
-
(Renato) Mas tem que ser um, por exemplo,
um rei ou uma pessoa eleita pelo povo? Não poderia ser um tipo de congresso
mandando?
-
(Profa.) Poderia ser no caso de um
sistema parlamentarista, onde são eleitos diversos congressistas para governar.
-
(Guilherme) Está errado colocar no mapa
que é só o rei...?
-
(Profa) O que você acha?
-
(Guilherme) Bem, se pode haver um sistema
parlamentarista...
-
(Profa.) Você pode colocar aquilo que o
texto fala e acrescentar esta informação que vocês estão trazendo agora, que,
no caso, é um outro tipo de organização do Estado.
Podem
ser percebidos diversos elementos nesta situação: ambos mobilizaram
conhecimentos anteriores na análise do novo conceito que se colocava. Juntos,
conseguiram formular questões para a professora que apontaram na construção
deste conceito. A professora ofereceu a ajuda necessária e ambos agregaram uma
nova informação a uma que já sabiam. Pode-se dizer que houve aqui uma
aprendizagem significativa, promovendo-se uma reconciliação integrativa.
Um
outro aspecto bastante interessante nessa situação é a percepção de que a
construção se deu de forma social, numa situação comunicativa. Neste sentido,
podemos dizer que toda a situação foi trabalhada dentro da Zona de
Desenvolvimento Proximal dos alunos, entendendo-se a mesma como “a diferença existente entre aquilo que um
aluno pode aprender sozinho e aquilo que ele aprende com a ajuda de outros”,
sendo este “outros” o seu colega ou a professora (Grupo de formação de
professores alfabetizadores,2001:28).
Os
elementos apontados acima demonstram a importância que este tipo de atividade
tem não só para a avaliação, mas para o próprio processo de aprendizagem dos
alunos. A professora pôde atender a uma necessidade específica, individual, e
promover uma aprendizagem que, num contexto de permanente desconsideração
destas interações, não seria possível. Pôde também chamar a atenção para
aspectos que, numa aula expositiva ou numa atividade coletiva, poderiam passar
desapercebidos.
Ao
utilizar o mapa conceitual, alunos e alunos foram colocados em diversas
situações potenciais para a promoção da aprendizagem. Ou seja, a diversidade de
estratégias de trabalho dentro da sala amplia as possibilidades de assimilação
dos conteúdos[25].
As maiores
dificuldades observadas
A
dificuldade mais comum de alunas e alunos mapeada durante as duas atividades
relatadas foi a elaboração dos conectivos. E esta não é uma dificuldade
gratuita. O conectivo é o elemento mais difícil do mapa e o mais importante
também. É através dele que se pode perceber o nível de elaboração conceitual
que o sujeito da aprendizagem se encontra. É ele que nos possibilita verificar
se a(o) aprendiz está conseguindo construir conceitos. Por isso, o trabalho da
professora/professor deve ser no sentido de insistir para que as alunas e alunos
o façam.
Como
apontado anteriormente, as(os) estudantes tiveram dificuldades em levantar
hipóteses sobre o que vinha a ser “Estado Nacional”. Isto pode acontecer
e deve ser encarado pela professora/professor como um desafio no sentido de
criar condições para que a aluna e o aluno construam o conceito a partir do
instrumental que tiverem.
As maiores dificuldades da professora giraram em torno do ensino do
que vinha a ser o mapa conceitual e o que ele deveria conter. Possibilitar que
os alunos construíssem o conceito de “conceito” foi um dos desafios. O outro,
foi possibilitar que eles superassem a idéia do mapa enquanto um “esquema”.
Percebi que tanto a compreensão do que deveria compor o mapa – ou seja, o que
era efetivamente o mapa – quanto entender o que é um conceito faziam parte do
aprendizado. Ou seja, fazê-los pensar por conceitos era um desafio que estava
ocorrendo em diversos níveis: na compreensão do que era o mapa; do que era um
conceito; o que eram os conceitos de Estado Nacional e Nação; e de como todo o
conteúdo factual estudado articulava-se aos dois conceitos principais. Eram
vários os desafios a serem vencidos e, por isso, só poderiam ocorrer
gradualmente. Por isso o trabalho com estes conceitos irá até o final do ano de
2001.[26]
Uma outra dificuldade que se apresentou foi possibilitar que os alunos
entendessem que o mapa não podia conter conectivos que indicassem relações de
natureza causal, pois isto não definia a essência do conceito. Dois conectivos
usados freqüentemente eram “leva a” e “gera” (além de “precisa de”). Minha
estratégia sempre foi a de tentar discutir um pouco mais o que deveria conter o
mapa (a definição, a essência do conceito) e, na maioria dos casos, solicitar
que eles não utilizassem nenhuma expressão que indicasse a idéia de
causalidade.
Considerando-se
que o erro pode levar o sujeito a modificar seus esquemas (La Talle,1997:37), a
atividade de revisão do mapa num período posterior a um processo de ensino, torna-se
extremamente rica, valorizando o erro e relativizando-o. Ao observar seu erro,
várias vezes durante o ano, o aluno e a aluna fazem-no como um observável, ou
seja, ambos têm acesso à qualidade do seu erro, cada vez mais dotados do
instrumental necessário para analisá-lo e superá-lo (La Talle,1997:36).
Neste sentido, o mapa conceitual pode se tornar um importante
instrumento de avaliação dentro de uma perspectiva formativa, pois ele pode
cumprir uma série de quesitos: fornecer
dados para orientar a ação daquele que a aplica; colocar-se a serviço da
aprendizagem, e servir de fonte de informação para a professora e o professor
sobre as principais dificuldades encontradas pelos alunos (Hadji, 2001:04).
Enfim, ele possibilita uma melhor adequação do ensino ao processo de
aprendizagem.
É interessante
observar que o mapa evidencia o caráter descartável da nota, enquanto “medidor”
da aprendizagem e enquanto fornecedor de informações para a aluna e o aluno
sobre o seu processo de aprendizagem. Como não há “mapa certo” ou “mapa
errado”, o que se faz é analisar a produção do aluno, indicando-lhe (e à
professora/professor) o que precisa ser retomado e o que já foi aprendido. Ou
seja, observa-se o processo de aprendizagem, a eficácia do ensino e dialoga-se
com a(o) aprendiz sobre este processo.
Enfim, avalia-se
efetivamente.
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[1] Bacharel e
licenciada em História pela Universidade de São Paulo (USP); mestre em História
da Educação pela Faculdade de Educação da USP; professora de História de 7as. e
8as. séries da Escola da Vila, em São Paulo/SP/Brasil, sob orientação de Ivone
Domingues; trabalha com formação de professores, sendo capacitadora do Centro
de Estudos da Escola da Vila, em São Paulo. E-mail: maria@vila.com.br
[2] No que se refere
a este aspecto de medição, Hadji (2001b:05) faz um interessante comentário: “Não acredito que a avaliação possa
tornar-se científica. Ela não será
jamais uma medida. Em contrapartida, ela poderia ser rigorosa. Tem esse
dever. Avaliar com rigor implica primeiramente definir de modo exato aquilo que
se espera da realidade avaliativa. Se a avaliação não é freqüentemente
rigorosa, é porque nós não sabemos o que esperamos dos estudantes ou da sociedade
(...) Posso cronometrar o tempo que um corredor leva para percorrer 100 m – é a
medida, não a avaliação. Por outro lado, não posso cronometrar o tempo de
desenvolvimento de uma criança, o modo como ela constrói a sua aprendizagem,
desenvolve suas competências. Isso não pode ser medido.”
[3] “Enquanto as
determinidades do sentimento, da intuição, do desejo, da vontade, etc., na
medida em que delas se sabe são
chamadas em geral representações, pode-se
dizer de modo geral que a filosofia põe, no lugar das representações, pensamentos, categorias e, mais
precisamente, conceitos. As
representações, em geral, podem ser vistas como metáforas dos pensamentos e
conceitos.” Hegel, G. W. F. Enciclopédia
das Ciências Filosóficas em Compêndio (1830). A Ciência da Lógica. Trad. Paulo Meneses. Volume I. Rio de Janeiro: Loyola, 1997, p. 42.
[4] Moscovi, Serge. Las representatios sociales: expose introductif in: Troiseme Rencontre Nationle Sur La
Didactique de L’Histoire, de la Geographie, des Sciencies Économiques et Sociales.
Actes du Colloque. Paris: INRP,
1988.
[5] César Coll, em
diversas obras; alguns textos do livro O
Construtivismo na sala de aula, em especial o cap. 3 – Um ponto de partida
para a aprendizagem de novos conteúdos: os conhecimentos prévios; Mário Carretero,
principalmente em seu livro Construir e
Ensinar – As ciências sociais e a história. Porto Alegre: Artes Médicas,
1997 (em especial no cap. 2 – construção
do conhecimento e ensino das ciências sociais e da história); ou mesmo o próprio Vygotsky no livro Pensamento e Linguagem.
[6] Existe uma série
de outras como, por exemplo, a elaboração de um índice inicial pela criança
onde ela pode enumerar o que sabe e o que quer saber sobre um determinado
assunto. Uma outra seria a elaboração de hipóteses explicativas sobre quais
seriam as informações necessárias para se compreender um determinado assunto ou
fenômeno, ou o que ela pensa sobre este fenômeno. Poder-se-ia também fornecer
um questionário com perguntas abertas ou fechadas. Enfim, há uma série de instrumentos
que poderiam ser adequados para este mapeamento.
[7] No caso do relato
de experiência a ser apresentado, a confecção foi feita sempre em dupla,
garantindo-se assim tanto este processo de negociação, quanto a organização
inicial de todas as informações e concepções que os alunos traziam sobre os
conteúdos a serem trabalhados.
[8] Estabeleço três
níveis de relações referenciais para a organização das situações didáticas: num
primeiro nível, o ensino de fatos históricos (dados fundamentais para a
reflexão que se pretende histórica); num segundo nível, o ensino dos conceitos
historiográficos (aqueles que os historiadores criam em suas narrativas) e dos
conceitos históricos (aqueles que os próprios agentes – envolvidos direta ou
indiretamente com os fatos históricos – criam para explicar determinados
eventos); por último, o nível de construção conceitual do sujeito da
aprendizagem (a compreensão e os conceitos que a(o) adolescente vai
construindo). O uso de provas, trabalhos (orais ou escritos), exercícios, etc.,
coloca-se para os dois primeiros níveis. O mapa conceitual seria utilizado no 3o.
nível.
[9] “Se a equipe
de professores estiver de acordo sobre a importância da formação do
estudante, deverá explicitar essa preocupação, criando um eixo de trabalho
a ser incluído no planejamento de todos os educadores. A construão deste novo
papel social, de estudante, pode começar a ser trabalhado, na escola, desde o
início, ainda nas séries iniciais. No entanto, para que possamos de fato
atingir os objetivos educacionais definidos para cada etapa da escolaridade, é
necessário formularmos, com precisão,
alguns acordos didáticos a serem observados por toda a equipe, com
vistas a progressiva solidificação de uma postura de estudante consistente.
Devem ser discutidos em reuniões pedagógicas aprofundando os temas e
rechando-os com exemplos concretos dos encaminhamentos realizados em classe.”
Os acordos se dão em torno dos “procedimentos de estudo: competências e
habilidades que devem ser trabalhadas na escola por todos os professores,
visando o desenvolvimento do papel de estudante”. Estes dividem-se em
“gerais: relativos aos instrumentos, tarefas e atividades necessárias ao
processo educativo”; e “lingüísticos: relativos a competências
lingüísticas gerais que extrapolam os conteúdos trabalhados em Língua
Portuguesa e dizem respeito a todas as disciplinas.” (Equipe dos ciclos 4 e
5 da Escola da Vila, 2001:05)
[10] “Se reconstruímos mentalmente a ação para tentar analisá-la
restrospectivamente, então estamos a fazer uma reflexão sobre a ação. (...)a reflexão
sobre a reflexão na ação, [é] o processo que leva o profissional a
progredir no seu desenvolvimento e a construir a sua forma pessoal de conhecer.”
[11] A proposta faz parte do projeto pedagógico-didático da escola (encampado pela professora) de tornar o ensino da História do Brasil o referencial para a abordagem dos conteúdos de História Geral e da América.
[12] Neste relato, por
uma questão de espaço, apresentarei apenas o trabalho desenvolvido com o
conceito de Estado Nacional.
[13] É importante
ressaltar que, aqui, está-se pensando nesta reprodução dentro dos moldes de uma
transposição didática. Sobre este conceito
Jiménez e Sanmarti escrevem: “Ensinar
ciências implica, entre outros aspectos, estabelecer pontes entre o
conhecimento, tal como expressam os cientistas através de textos, e o
conhecimento que os estudantes podem construir. Para conseguirmos é necessário
reelaborar o conhecimento dos cientistas de modo que se possa propor aos alunos
nas diferentes etapas de seu processo de aprendizagem. Esta reeleboração não
pode ser similar a meras simplificações sucessivas do conhecimento e constituem
o campo de estudo chamado de transposição didática”. (Trecho extraído da
síntese elaborada pelo professor de Ciências Naturais da Escola da Vila,
Marcelo Motokane, do artigo Jiménez,
Maria Pilar y Sanmarti, Neus ¿QUE CIENCIA ENSEÑAR? OBJETIVOS Y CONTENIDOS EN LA EDUCACIÓN SECUNDÁRIA. La enseñanza y el
aprendizaje de las ciencias de la naturaleza en la educación secundaria. ICE/HORSORI. Cuadernos de formación del professorado. Educación
secundária. Vol. 09, 1997)
[14] Projeto didático
é uma alternativa de trabalho em sala de aula que procura superar as
práticas habituais, levando em consideração que: a) o aluno deve ser o sujeito da própria aprendizagem – a organização
das situações escolares deve incluir as conceitualizações dos alunos sobre os
objetos de conhecimento e permitir suas transformações na ação sobre estes
projetos, na direção dos saberes socialmente válidos. b) a transformação do objeto de conhecimento em objeto de aprendizagem
deve restringir-se ao mínimo, já
que o objetivo final da aprendizagem escolar é que o aluno não pode se
dissociar da versão social. Isto implica em planejar situações escolares que
evitem simplificações, distorções e estereótipos dos conhecimentos. c) as práticas de sala de aula devem superar
uma visão estática e descontextualizada do ensino e considerar que as
construções em relação ao conhecimento são mediadas pelo modo de aprender das
crianças e de ensinar dos professores. (Fonte: documento interno da Escola da
Vila intitulado “Projetos Didáticos”)
[15] Segundo Schmidt
(1999:148), o conhecimento prévio do aluno inclui informações sobre o presente
e o passado, “possui uma lógica própria,
não sendo, portanto, aleatório”.
[16]
Na seqüência didática, diferentemente do projeto, não há produto final. As
seqüências de atividade compõem as unidades didáticas. São unidades porque “representam um processo de
ensino/aprendizagem”. São didáticas porque “constituem a unidade elementar de programação da ação pedagógica”.
(Zabala, 1998)
[17] Avaliação
diagnóstica ou inicial: aquela que “proporciona
informações acerca das capacidades do aluno antes de iniciar um processo de ensino e aprendizagem”. Proporciona também informações confiáveis sobre
a bagagem dos alunos. Fundamental para a organização e seqüenciação do ensino (Coll, Palacios, Marchesi,1996).
[18] O planejamento do
curso previa a construção do conceito de Estado Nacional associado ao estudo
dos fatos, sujeitos e outros conceitos históricos. O objetivo maior era (e
ainda é, pois o projeto estende-se por todo o ano) construir um conceito que
demonstrasse uma compreensão de que o Estado Nacional Brasileiro constituiu-se
a partir do embate entre diversos projetos políticos. A idéia de se separar o
conceito de Nação veio em decorrência da antecipação que fiz de que seria
melhor construir um percurso em que os alunos pudessem visualizar como os
sujeitos históricos estudados construíam um conceito de Nação associado ao
projeto político que tinham para o Estado, constituindo assim o conceito de
Estado Nacional. Isto tudo sem deixar de lado as visões que a própria
historiografia construiu a partir de diferentes fontes.
[19] Neste momento,
percebi a dificuldade que o conceito colocava para as turmas. Ficou evidente
que era preciso investigar mais para ver se o mesmo era apropriado para o
trabalho com esta faixa etária ou se eu não estava utilizando as estratégias
didáticas de maneira adequada àquele grupo.
[20] Isto era, de
certa forma, esperado, uma vez que, no trabalho com o conceito de Igreja
católica nos séculos XVI e XVII (realizado na 7a. série),
trabalhamos o conceito de Estado (relacionado ao Estado português) e de
formação das Monarquias Nacionais para entender o Padroado. O que este estudo
me mostrou foi que eu preciso sistematizar melhor este conceito na 7a.
série, introduzindo a leitura de algum filósofo iluminista ou texto teórico
sobre a temática do Estado nacional moderno, fornecendo assim elementos
conceituais dentro de um ambiente bastante significativo.
[21]
O esquema é uma organização do conhecimento em unidades ou agrupamentos
holísticos, ou seja, que quando se ativa um dos exemplos, ativa-se todo o
resto. É uma segmentação das representações holísticas em subnidades
interrelacionadas
Estrutura de forma serial e hierárquica
as representações. Quanto aos processos de memorização ele: codifica a informação a partir de seus quatro
processos básicos: seleção, abstração, interpretação e integração. Busca-se a
informação mais relevantes para a criação de esquemas também mais relevantes.
Para isso, é necessário um processo de seleção da informação. O passo seguinte
é a extração dos elementos mais significativos mediante o processo de
abstração. Segue um processo de interpretação com a intenção de favorecer a
compreensão da informação ou para fazer inferências de acordo com a idéia que o
indivíduo tinha. Por fim, o processo de integração consistente na criação de um
novo esquema ou na modificação de algum que já existe. Com relação à
recuperação de informações: facilita a recuperação da informação relevante
quando se trata de compreender um objeto ou uma situação que tenha certa
relação com um esquema determinado. (trecho extraído de Sierra y Carretero
(1990) e citado em Ontoria et allii (1995))
[22] Trata-se aqui do
decreto de Abertura dos Portos, escrito por D. João, príncipe-regente de
Portugal, em 1808.
[23] A estruturação desta unidade didática levou em consideração que “si queremos dotar a los alumnos de un mejor pensamiento histórico es
necesario que les proporcionemos no sólo habilidades y estrategias que les
permitan ejercer un pensamiento crítico y autónomo – cosa que ya parece haber
sido admitida por todas las personas preocupadas por este tipo de problemas –
sino también unas teorías o modelos conceptuales que les permitan interpretar
esse tipo de situaciones de un modo más próximo al conocimiento experto.” (Pozo, Asencio,
Carretero: 1989:214)
[24] No curso da 7ª
série, onde o conceito central do 1º trimestre é o de “Igreja
Católica”, o desequilíbrio provocado pelas dúvidas e incertezas do que vinha a
ser o conceito foi muito mais “suportável” para os alunos do que aquele que
havia provocado o trabalho com a 8ª série. Neste sentido, não houve
a necessidade da introdução de um texto de enfoque mais conceitual e da aula
expositiva. Passei diretamente para o trabalho com os conteúdos factuais e
conceituais que havia planejado. No caso da 8a. série, a mudança de
estratégia atendeu à necessidade de se colocar o material didático num nível de
apreensão possível para os alunos, permitindo assim que a motivação não se
perdesse. (Entenda-se aqui por motivação como o entrecruzamento entre
compreensão e os aspectos afetivo-emocionais. (Carretero,1996:15)). Ou seja,
procurou-se ajustar os desafios propostos, mantendo-os dentro da Zona de
Desenvolvimento Proximal (ZDP) dos alunos. (Sobre o conceito de ZDP, veja-se
Oliveira (1993) e Vygotsky (1993))
0 “Conteúdos” aqui entendidos dentro da tipologia que considera os seus diversos tipos no que se refere à estruturação do planejamento: factuais, conceituais, procedimentais e atitudinais
[26] Isto não
aconteceu no caso da 7a. série, onde o conceito de “Igreja Católica”
ofereceu menos desafios cognitivos aos alunos.